Neste curto texto, pretendo falar do trabalho de André e do trabalho em André. Falarei das fotografias que aqui são apresentadas a partir do seu autor e do seu autor à medida que é conformado pela sua fotografia ou pelo assunto da sua fotografia: a realidade circundante.
Certa vez, em uma conversa sobre racionalidade e produção artística, André me disse: "Hugo, você não controla o trabalho, o trabalho é que te controla ". Sorri e assenti com a cabeça. Conquanto não haver concordado incialmente, André estava certo.
Não tenho a empáfia nem a pretensão de impor uma interpretação única dessa sua frase como certa e verdadeira, mas me atrevo a fazer uma leitura das muitas possíveis.
Entendo esse “trabalho” como algo externo ao sujeito, mas que de forma exógena interfere, determina, constitui, internamente, o próprio sujeito, porém esse último também, através da sua atividade, age e transforma o externo, de sorte que o sujeito trabalha e é trabalhado. Para Karl Marx:
“O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza ele se confronta com a matéria natural como com uma potência natural [Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para a sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza.”
[1]
Esse trabalho realizado, compartilhado social e historicamente, se materializa no espaço enquanto rugosidades. Nos ensina Milton Santos:
“O espaço é a matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos sociais tem tanto domínio sobre o homem, nem está presente de tal forma no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem entre si estes pontos são elementos passivos que condicionam a atividade dos homens e comandam sua prática social. (...) O homem trabalha sobre herança.”
[2]
Em 16 de agosto de 1991, nasce André de Oliveira na Capital do Estado de São Paulo e é essa mesma cidade, esse espaço, enquanto ambiente inorgânico, orgânico e social, com suas históricas configurações estruturais e superestruturais, que vai dar os elementos materiais e imateriais das fotografias daquele que, naquele momento, sequer sabia o que era a arte da escrita pela luz. Em seu genetlíaco, André herda um país marcado pela subjugação econômica das potências imperialistas e que sequer rompera, em absoluto, com o seu passado escravista.
Quando descobre a fotografia, André impressiona-se, primeiramente, pelo rigor técnico de Henri Cartier-Bresson, quem influenciará sua produção. Todavia, é em Carlos Moreira que encontrará, além de um referencial nacional que compartilha o mesmo espaço de sociabilidade, que sofre “as mesmas” determinações ambientais e exógenas (cidade de São Paulo), que possui a mesma acuidade que o mestre francês, que tem a mesma fé, um grande amigo e um orientador. André e Carlos tiveram uma bela amizade, até que esse último cumpriu o seu propósito neste plano. Carlos Moreira foi mais que um referencial-amigo-orientador, senão um enviado de Xangô na vida de André.
André, filho de Ogum, protegido de Xangô, é, também, filho do seu tempo, da sua terra, e aqui se encontra o seu traço distintivo e que confere valor ao seu trabalho. André tem relativa – para que não haja uma contradição nos argumentos – consciência do seu trabalho, de onde parte e para onde produz. As imagens registram a cidade e sua vida: as linhas e as cores, as formas e as sombras, a geometria; mas, creio eu, acima disso, a relação de consciente e inconsciente na apresentação dessas linhas, cores, formas, sombras e geometria, feita pelos sujeitos que reproduzem essa cidade pelos seus respectivos e individuais trabalhos.
O seu trabalho não tenta reproduzir “o que está em alta”: flash estourado, filme vencido etc. Não há essa preocupação, da estética pela estética, da forma pela forma. Entretanto, por outro lado, também não há o afã do original, não tenta “inventar a roda” e negar suas referências: cuida de um autêntico movimento de suprassumir suas influências: superando e conservando ao mesmo tempo aquilo que adquiriu até então.
Essas questões ainda passam pelo seu trabalho de professor de fotografia, seja no ensino na sala de aula, seja em outros projetos. Atualmente, André desenvolve um curso de fotografia que leva em conta as condições materiais da maioria dos brasileiros: um curso onde basta se ter um celular para que possa fazer “narrativas visuais”.
Reitero: não creio que o “trabalho” que ele me disse seja esse; tenho certeza que se referiu a outra coisa, mas ainda não atino o significado em sua inteireza. Apesar disso, eis aqui, minhas impressões sobre o produto do trabalho de André e minhas modestas considerações sobre André, produto da sociedade brasileira de nosso tempo.
[1] Marx, Karl. (2013). O capital: livro 1, o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 255.
[2] Santos, M. (2002). Por uma geografia Nova, Da crítica da Geografia a uma Geografia crítica, EDUSP. São Paulo, 172 e 174.
Artista Convidado:
André de Oliveira